21 junho 2015

Como transformar vitória em derrota em seis meses? Deixe de ser você mesmo…*


espelho
Os números do Datafolha podem não ser exatos, mas o desastre é visível, perceptível, evidente para qualquer um que viva neste mundo e não queira cultivar a auto-ilusão.
Desde sua vitória eleitoral – até mesmo antes de sua posse – Dilma tem escolhido, em nome de uma “recuperação” da economia, anular-se e seguir apenas  “pauta” que impõe a lógica de seus – não, dos nossos – adversários.
Não quer dizer que inexista a necessidade de apertar os gastos, fazer cortes, puxar “a segunda marcha” para fazer frente à ladeira da crise mundial que não é ela quem criou, mas é o Brasil que tem de enfrentar.
Nem que ela tenha, no longo prazo, perdido o senso de destino, esquecido de qual é o projeto nacional que este país deve perseguir.
Quer dizer apenas que a Presidenta entregou o volante e parece ter, hoje, preocupação maior em agir com o “politicamente correto” das receitas alheias, assumindo implicitamente que se redimirá quanto mais agradar os descontentes do capital, deixando de pecar contra o superávit que, afinal, contraditoriamente, há de vir mesmo que se destrua, por ele, a economia brasileira.
E, claro, com ela, os fundamentos de sua própria legitimidade, porque seus eleitores são e foram, nas urnas, os que optaram pela continuidade do crescimento e da inclusão.
Todos eles, porém, estariam dispostos a não apenas suportar mas apoiar politicamente sacrifícios temporários, desde que, todo o tempo, percebessem que não eram só para eles e, acima de tudo, a que se destinavam.
Mas a Presidenta optou  por dois meses de quase silêncio, após as eleições, e deixou que a percepção de seu governo, nos dias iniciais, fossem apenas as medidas restritivas, os reajustes de preço cavalares na energia, nos juros e nos preços dos gêneros alimentícios (deve ser “populismo” interferir, por exemplo, na loteria do tomate, que varia, sem cerimônias, de 2 a 8 reais, de um dia para outro), além dos cortes -muitos deles corretos, até – nos gastos trabalhistas, propostos em escala muito maior até do que deveria se saber viável, em nome de, depois “reduzir no Congresso”.
O resultado, como já se repetiu aqui muitas vezes é que o Congresso, dominado pelo oportunismo mais rastaquera, dá em dobro aquilo que Dilma enfrenta o desgaste de negar.
De outro lado, acreditou que, com o fim das eleições, arrefeceriam as pressões  político-judiciais que ameaçaram, nos dias finais, sua vitória.
Pouco mais de um mês e a “marcha dos coxinhas” mostrou que não haveria o recolhimento democrático natural aos derrotados, mas uma onda de insubmissão às urnas que, afinal, é idêntica em toda a América progressista já de algum tempo, pois igual se fez na Venezuela, no Equador, na Argentina…
Deixou-se Graça Foster, incapaz politicamente, exposta à completa erosão, manteve-se José Eduardo Cardozo em sua covarde omissão, expôs-se Guido Mantega – seria pior ainda se ele não tivesse o caráter estoico que teve – a ser enterrado vivo e, numa palavra, deixou-se à mídia, devidamente alimentada pelo coxismo, por Sérgio Moro e pelo um cada vez mais abusado par Cunha-Renan o comando do processo político.
Não é apenas o governo, reconheça-se, é o PT que se deixou aprisionar pelo dilema entre o seu desafio de ser um partido trabalhista e seus penduricalhos elitistas.
O governo Dilma agiu, em quase tudo, como o derrotado, não como o vitorioso. E sua situação, que já era delicada sob múltiplos aspectos, deteriorou-se em quase todos eles.
Não se está julgando aqui o caráter ou as intenções da Presidenta. É uma mulher honrada e chega a ser criminoso ver alguém que é dona de uma integridade e austeridade – pessoal e politicamente falando – ser execrada, enquanto se exaltam figuras imundas, que fazem da política a gazua de negócios e vantagens.
Muito menos que esperando que se abdique do equilíbrio e da liturgia do cargo, qie não se exerce em nome próprio, mas de todos os brasileiros.
Mas que se compreenda que é em outro campo que se dá a política, embora o discurso hipócrita da direita seja sempre este, velho como a UDN do “mar de lama”.
Política é polêmica – inclusive quando a política se expressa em atos de Governo.
Sem ela, vai-se para o matadouro em silêncio, sempre esperando que o algoz venha a nos achar dóceis e gentis e, afinal, não nos execute por piedade ou bons sentimentos.
Política é um conjunto não apenas de fatos, mas de símbolos e percepções coletivas.
Quando se foge da compreensão de que o objetivo – nem um pouco disfarçado, a esta altura – dos defensores do “Brasil Colônia” é evitar a eleição de Lula em 2018, deixa-se de lado a verdade e se passa a viver no mundo das ilusões e da boa-vontade, que não é o campo da política em parte alguma no mundo, muito menos num Brasil onde a selvageria se tornou a marca do pensamento conservador.
*Por Fernando Brito no 'Tijolaço'

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